Edição 163 - Aracaju, 09 de setembro a 07 de outubro de 2012

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Literatura

Tempo de haicai
O trabalho da poeta e letrista Alice Ruiz

Por Cesar Carvalho

Foto: Divulgação
 
Alice Ruiz: contribuição à popularização do haicai no Brasil

 

Alice Ruiz, poeta e haikaista, nasceu em Curitiba e publicou seu primeiro livro, Navalhanaliga, em 1980, ganhando um prêmio literário de muitos que se sucederiam em sua carreira, entre eles dois Jabutis de poesia.

Publicou mais de vinte livros, entre eles uma história infantil, e compõe letras desde o início dos anos 70. Em 2005, gravou seu primeiro CD, Paralelas, em parceria com Alzira Espíndola. Ao longo de sua carreira musical, teve como parceiros Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Luiz Tatit, José Miguel Wisnik e outros.

Realizando oficinas para a produção de haicais, em 1993, recebe da comunidade nipo-brasileira de Curitiba o nome de Yuuka, que pode ser traduzido como “a imensa beleza da flor”, por sua contribuição à popularização do haicai.

Além da entrevista abaixo, feita por e-mail, você pode conhecer mais sobre Alice Ruiz em seu site oficial.

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Como é seu processo de criação? 

Varia muito. A “inspiração” no haikai vem da natureza e de um estado especial de centramento e, ao mesmo tempo, desapego. É uma irmanação com o todo e me considero abençoada quando um haikai me acontece. A poesia vem às vezes com um conceito que coincide com a forma, mas leva tempo para desenvolver e chegar ao poema. Mas às vezes vem num fôlego só e é irretocável. A letra de música pode vir pronta e daí eu passo para o parceiro ou parceira com quem mais se parecer o resultado. Mas já coloquei letra em música pronta, embora seja mais raro.
No entanto, o que mais gosto é quando a parceria nasce junto. Letra e música acontecendo ao mesmo tempo.  

Quando começou a criar seus poemas, estes foram muito influenciados pelo zen-budismo e pelo haicai japonês que, segundo você mesma, foram apresentados pelo Paulo Leminski. Em seus últimos livros, as referências ao zen-budismo desapareceram, mas sua poesia continua eivada de uma sofisticada percepção zen. Como você vê, hoje, o zen-budismo em sua criação poética?

Não foi e não é bem assim. Eu já tinha afinidades várias com essa forma e com o zen, só faltava a teoria e essa sim me foi apresentada pelo Paulo. Quanto aos livros mais recentes (me parece que você não os conhece): Conversa de Passarinhos, Jardim de Haijin e Estação dos Bichos, são todos de haikai e mais próximos do zen do que qualquer um anterior. Inclusive em todos escrevi introduções, sendo que cada uma aborda um aspecto do zen e do haikai.Não saberia dizer qual é o papel do zen na minha criação, só na medida em que ele foi transformador na minha trajetória. O zen é uma atitude de vida, portanto, permeia tudo. 

Segundo Rodolfo Witzig Guttilla, no prefácio à coletânea de haikais, no livro Boa Companhia - Haicai (Cia. das Letras, 2009), seu livro Desorientais, publicado em 1996, deu um novo vigor à produção de haikais que vivia certa letargia desde os fins dos anos 80. Como você vê a produção de haikais depois de 1996 e qual, em sua opinião, o papel de seu livro nesse processo? 

Não cabe a mim avaliar o papel do meu livro na produção brasileira de haikais, essa é uma leitura do Rodolfo. Mas posso falar de um outro ângulo. Ministro oficinas de haikai desde 1990 por todo Brasil e já vi vários ex-alunos se transformarem em excelentes haijins (haikaístas). Não atribuo isso ao contato comigo, acredito que já estava neles e eu fui apenas o instrumento. A maçaneta que abriu a porta. 

Nunca é demais lembrar que suas letras musicais ganharam um premio de poesia em 1999 pela Editora Blocos e Poesia pra tocar no rádio, publicado em livro, acabou de vez com a estúpida discussão sobre se letra de música é ou não poesia. O que a levou a produzir letras de música?

Não, meu livro não teve esse poder. Só ganhou um prêmio de poesia, mas a discussão continua. Grandes letristas inclusive fazem distinção entre letra e poema. Mas eu faço questão que minhas letras sejam poéticas, isso é, tenham o mesmo compromisso com a ideia, com a verdade e com a linguagem que um poema tem. É interessante como a letra de música começou na minha vida. Foi na adolescência, quando comecei a traduzir músicas de que eu gostava, e quando meu inglês não dava conta eu inventava, mas dentro da métrica e da emoção que a melodia transmitia. Já estava exercitando a letrista e nem sabia. 

Em sua opinião, quais são as tendências poéticas que podem ser vislumbradas no século XXl?

Não arrisco uma opinião, as tendências de uma época acabam se definindo com o transcorrer do tempo. Nesse caso, é o futuro que fala do passado.

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Troca de mensagens 

De: cesar carvalho
Para: 'Alice Ruiz'
Enviada em: quarta-feira, 22 de agosto de 2012 16:26
Assunto: RES: pedido de entrevista 

Alice, muitíssimo obrigado pelas respostas. Sua entrevista sairá na próxima edição, agora em Setembro, do Balaio de Notícias. Mando o link assim que for veiculada.Só um detalhe para esclarecer. Expressei-me mal quando disse que as referências ao zen-budismo haviam desaparecido em sua obra. O que quis dizer foi que o zen deixa de ser nomeado, mas sua poesia continua eivada de uma sofisticada percepção zen.E o paradoxo é que foram estes mesmos livros (os três que você cita) que me chamaram a atenção para este fato. Mas, de qualquer maneira, isso só pra dizer que li sim seus livros.Além de excelente poesia, sua obra revela uma sofisticadíssima percepção zen.E isso é fantástico.
Mais uma vez, muito obrigado.
Grande abraço
cesar  

De: Alice Ruiz
Para: cesar carvalho
Enviada em: quarta-feira, 22 de agosto de 2012 16:32
Assunto: Re: pedido de entrevista 

Ah, eu só não nomeio o zen nos livros, Cesar, mas tudo ali se refere a ele.
Só que agora ficou esquisita essa questão.
Quer refazer?
Abraço
Alice 

De: cesar carvalho
Para: Alice Ruiz
Enviada em: quinta-feira, 23 de agosto de 2012 18:39
Assunto: Re: pedido de entrevista

Vamos deixar como está. Tudo bem?
Abraços
Cesar

 

Cesar Carvalho é Doutor em História pela UNESP, Assis, e professor do Depto. de Ciências Sociais da UEL – Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected].